terça-feira, 9 de setembro de 2008

Justiça e opinião pública (Manuel Madeira Pinto JN)


O Juiz Desembargador Dr. Madeira Pinto - "O poder político levou a cabo a sua vontade soberana e os Tribunais acataram essa vontade e, por sua vez, soberanamente, cumpriram a sua função constitucional.Seria interessante saber da situação dessas duas centenas de presos preventivos soltos nessa altura. Quantos voltaram a ser detidos pela prática de crimes".


Após a tomada de posse do actual Governo foi criada a Unidade de Missão encarregue da revisão das leis penais essenciais, presidida pelo Sr. Dr. Rui Pereira, actual Ministro da Administração Interna.

Obtido que foi consenso político entre os dois maiores partidos portugueses através do apelidado Pacto da Justiça, a Assembleia da República aprovou e o Senhor Presidente da República promulgou, a Lei nº 48/2007, de 29.08 e a Lei nº 59/20007, de 04.09 que, respectivamente, vieram alterar o Código de Processo Penal e o Código Penal, com aplicação imediata a partir de 15.09.2007.

Estava-se na rentré do ano passado e muitos dos denominados “operadores judiciários” vieram tecer críticas a essas reformas, essencialmente pela curta vacatio legis para a entrada em vigor dessas tão relevantes alterações, bem como a sua aplicação imediata mesmo que a casos já transitados em julgado, nomeadamente relativamente a alteração de mediadas de coacção ou a alteração de penas e regime de suspensão da execução da pena de prisão.

O período de férias judiciais decorreu de 1 a 31 de Agosto, por força da alteração legal introduzida nessa matéria e não se compreendeu a fixação da data de 15.09 para entrada em vigor daquelas alterações. Quis-se dar um período de quinze dias para “estudo” do novo regime ou essa data ficou por se pensar no regime anterior da reabertura dos tribunais?.

Entraram efectivamente em vigor em 15.09.2007 as novas leis penais e, em consequência imediata, cerca de duzentos presos preventivos foram libertados em Portugal, por causa delas.

O poder político levou a cabo a sua vontade soberana e os Tribunais acataram essa vontade e, por sua vez, soberanamente, cumpriram a sua função constitucional.

Seria interessante saber da situação dessas duas centenas de presos preventivos soltos nessa altura. Quantos voltaram a ser detidos pela prática de crimes.

Um ano depois, nesta nova rentré, o “discurso” político nos media é o da reforma da anterior reforma das referidas leis penais, a reboque do crescendo mediático e uníssono das notícias de uma “onda de violência” que teria assolado o país no Verão que está a acabar.

O Ministério da Administração Interna em Portugal, tradicionalmente, nos últimos anos tem estado na berlinda da informação jornalística durante o Verão.

Ora era a questão “dos touros de Barrancos”, ora a questão mais séria dos “incêndios florestais”, que vinham alimentando a tradicional ausência de notícias quando o país “está a banhos”.

Resolvida, por via de excepção legislativa, a legalidade da morte dos touros em faena, isso deixou ser notícia…finalmente.

Ao contrário do oráculo de que “este Verão iria ser o mais quente dos últimos vinte anos”, o Verão ameno tem poupado os bombeiros e jornalistas à faina de andar de fogo em fogo florestal.

Verificou-se então um uníssono informativo, que chegou a ser fastidioso, do aumento da criminalidade e da impunidade dos criminosos.

Nem uma coisa nem outra se verificou efectivamente.

Certo é que os amigos do alheio não tiraram férias.

Mas, quanto ao aumento dos crimes violentos neste período, as estatísticas não são conclusivas em atestar essa relevância.

Quanto à impunidade, certo é que a todos os detidos que foram presentes ao poder judicial como indiciados suficientemente por crimes de natureza violenta contra pessoas, foram-lhes aplicadas as medidas adequadas de coacção que a lei permite.

Portugal não se tornou de repente num país inseguro.

Os criminosos não escolhem as leis, o espaço ou o tempo para actuarem. Cometem os crimes quando decidem cometê-los para satisfazerem o respectivo intuito criminoso (dinheiro, prazer, ódio, ciúme, etc), umas vezes em Agosto, outras em Janeiro…a estatística cronológica não tem qualquer fiabilidade científica.

Não acredito na ascendência dos astros (nomeadamente os equinócios da lua relativamente ao aumento dos homicídios), nem no aumento das penas ou medidas de segurança tipificadas na lei como medida essencial de prevenção geral do crime.

Nos Estados Unidos da América existem sistemas penais em alguns Estados federados que admitem e aplicam a pena de morte, outros que a admitem e não aplicam há muitas décadas e outros que nem a admitem sequer. Os primeiros não têm melhores resultados no combate ao crime violento.

Portugal foi pioneiro no mundo na abolição da pena de morte, logo que implantada a República em 1910, sendo um dos poucos mas bons exemplos do humanismo reformador do nosso sistema político-constitucional.

Será que nem uma medalha de ouro ou de prata, de vez em quando, alguns portugueses nos querem tirar o direito de todos orgulhosamente desfrutar-mos?

A propósito, muito obrigado aos atletas olímpicos portugueses. Não tenho dúvidas que todos procuraram honrar Portugal e ganhar uma das medalhas para seu currículo pessoal e prestígio nacional, mas há muitos outros atletas em competição com os mesmos objectivos e que foram melhores ou tiveram melhor sorte.

Também nesta matéria não foi justo o tratamento dado por diversos opinadores mediáticos nas passadas férias de Verão e o aproveitamento retirado de declarações descomprometidas de alguns atletas olímpicos portugueses.

MANUEL MADEIRA PINTO | JORNAL DE NOTÍCIAS | 07.08.2008

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